domingo, 12 de outubro de 2014

Vereadores de seis partidos se unem para transformar Minhocão em parque suspenso

PUBLICADO EM: NOTÍCIAS DO BRASIL E MUNDO

Wanderley Preite Sobrinho

Defensores se inspiram em Nova York e Paris para criar 3,4 km de verde em um projeto mais barato que a demolição da via que serviu de homenagem a um presidente militar

Em Nova York o projeto de chama High Line. Em Paris, é conhecido como Promenade Plantée. Em São Paulo, o nome provisório é Parque Municipal do Minhocão. A ideia de um grupo da sociedade civil de dar um novo destino ao Elevado Presidente Costa e Silva, criado pelo então prefeito biônico Paulo Maluf, conseguiu uma proeza: unir sete vereadores de seis partidos diferentes para propor um Projeto de Lei que dispensa a derrubada da estrutura e coloca no lugar um parque com 3,4 quilômetros de extensão cruzando boa parte do centro da cidade.


Artista esboçou um futuro parque sobre o Minhocão. Os projetos, no entanto, precisam passar por discussão social e concurso antes de ganhar contornos definitivos
Foto: Divulgação



Em Nova York, um elevado ferroviário se transformou em parque
Foto: Divulgação


A inspiração dos nova-iorquinos foi o Promenade Plantée, em Paris
Foto: Divulgação


Minhocão em dias de congestionamento
Foto: Associação Parque Minhocão


O engenheiro Athos Comolatti segura bandeira em defesa do Parque Minhocão
Foto: Divulgação

A ideia de criar um parque onde hoje uma via congestionada passa a poucos metros de apartamentos residenciais virou motivo de piada quando foi proposta ainda em 1987 pelo arquiteto Luiz Pitanga do Amparo. Enquanto isso, em Paris, a sociedade convencia a prefeitura a construir seu parque suspenso, finalmente inaugurado em 1993, ao transformar um viaduto ferroviário abandonado.

Seu Promenade Plantée inspirou nova-iorquinos, que passaram a reivindicar o mesmo destino a uma via ferroviária também abandonada na cidade. Como os terrenos que sustentavam as colunas eram de propriedade particular, a prefeitura da cidade americana levou dez anos até que, em 2009, inaugurou a High Line, responsável por tornar uma região degradada em um ponto turístico.

Diante de exemplos como esse, o engenheiro Athos Comolatti decidiu resgatar a ideia de Pitanga e passou a reunir pessoas com a mesma motivação. “Em 2006, o então prefeito José Serra fez um concurso para saber o que fazer com o Minhocão, o que terminou com a edição do livro ‘Caminhos do Elevado’, onde a ideia do parque voltou a ser discutida”, afirmou ao iG o engenheiro, que montou a Associação Parque Minhocão.

Foi em um evento da associação, que levou brincadeiras e arte para o elevado em um final de semana, que um grupo de sete vereadores de seis partidos se convenceu da ideia de juntar forças para protocolar na Câmara Municipal um Projeto de Lei que tirasse o projeto do papel. “O mais importante é que o parque resignifica o Minhocão. Algo que é visto como um problema de poluição atmosférica, sonora e visual se transforma em um símbolo de outro modelo de cidade”, aposta Toninho Vespoli (PSOL), um dos vereadores que assinaram a proposta. Além do socialista, José Police Neto (PSD), Ricardo Young (PPS), Nabil Bonduki (PT), Floriano Pesaro (PSDB), Gilberto Nataline (PV) e Antônio Goular (PSD) protocolaram o texto.

De acordo com a proposta, a transformação de pista em parque seria gradual. Nos primeiros 90 dias após a sansão da lei, o trânsito seria proibido aos sábados. A restrição se estenderia ao período de férias escolares 270 dias depois. Somente após quatro anos é que os veículos estariam completamente proibidos de circular. “O tempo seria suficiente para conseguir o dinheiro necessário para tornar o parque realidade”, acredita Comolatti.

De acordo com estudos preliminares, a derrubada do Minhocão, além do transtorno, consumiria R$ 80 milhões. “E não traria nenhum equipamento novo para a cidade, ficaria apenas uma avenida simples, como já é uma parte da Avenida São João”, afirma Fernando Serapião, critico de arquitetura e editor da revista especializada Monolito.

Ele mesmo fez um estudo para saber quanto ficaria para cobrir de verde o elevado: R$ 30 milhões. “Como é um jardim suspenso, é preciso impermeabilizar o solo e usar o mesmo método utilizado em tetos verde. Esse valor equivale ao paisagismo em toda a extensão”, explica Serapião. “Esse é o preço mínimo, porque ainda será preciso criar novas alças de acesso, instalar equipamentos públicos, como ciclovia. Mesmo assim, não deve ultrapassar os R$ 80 milhões da demolição.”

Para resolver a falta de iluminação natural na parte de baixo do elevado, hoje degradado, Comolatti sugere a retirada de duas das oito vigas que sustentam a pista. “Pode ser retirado um par de vigas centrais, criando um vão de quatro metros de luz natural. Essa é uma solução paisagística utilizada em muitos lugares. Essa história de ‘embaixo é escuro, vamos derrubar’ é um discurso muito simplório.”

E os carros?

Para o vereador, além do parque para a população do centro, a medida também mandaria um recado claro aos defensores do transporte individual, cada vez mais questionado na cidade. “Lá os carros já não andam. Veículos de passeio têm de ficar em casa durante a semana ao mesmo tempo em que a prefeitura precisa oferecer transporte de qualidade. Faixa exclusiva é pouco se não tiver ônibus em quantidade suficiente.”

Serapião concorda: “A criação do parque é um recado firme nesse período em que lembramos os 50 anos da ditadura. Ele serve para dizer: ‘esse modelo de cidade que já foi comemorado não serve mais para a maioria de nós’.”


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